GEÓGRAFO ESCREVE CARTA ABERTA A AMARILDO



Carta a um amigo solitário: ao Amarildo de Nanuque!



Por Sebastião P.G. de Cerqueira-Neto


“Líderes” políticos, de origem trabalhista, pobres, permitem que em pleno século XXI vários “Amarildos” se sintam acorrentados.



Não há como ficar indiferente ao protesto do Amarildo. Bravo, solitário e corajoso! Amarildo representa não apenas os servidores públicos de Nanuque, mas é o retrato de grande parte dos servidores públicos no Brasil. Entretanto, a generalização da figura do Amarildo não pode servir para justificar, por exemplo, que os municípios estão falidos; mesmo porque em todos os municípios existe uma elite de servidores que não passa as agruras relatadas no discurso altamente consciente do Amarildo.

O protesto do Amarildo tem que chamar a todos para a seguinte reflexão: quem deve nos representar no poder público? Também não se deve imputar ao atual prefeito o cenário de atraso de Nanuque expresso na voz contundente de Amarildo; a atual gestão apenas aprofunda a continuidade de governos que Nanuque teve, salvo exceções, que se preocuparam com o desenvolvimento amplo da sua sociedade.

A figura do Amarildo também pode ser traduzida como uma forte campanha de desmoralização do servidor público que acontece desde o nível local até nacional. Governantes que atuam no poder público como se estivessem gerindo suas empresas ou suas fazendas.

O servidor público de carreira é mais importante que qualquer político, pois os políticos passam; os servidores, independentemente do governo, serão sempre aliados da comunidade. O servidor público trabalha em função do bom funcionamento do Estado, não é funcionário de um governo! Dessa forma, ninguém é funcionário de prefeito, de governador ou de presidente da República; a não ser aqueles que foram nomeados sem concurso público.

A população de Nanuque deve “abraçar” o Amarildo como se estivesse abraçando todos os funcionários públicos, de todas as categorias, do gari ao médico. Imaginem se não fosse o “Amarildo”! Teríamos que pagar alguém para limpar a rua, pagar pela escola dos seus filhos, pagar pelo médico etc. Se o serviço público não vai bem, não é por causa do servidor público, mas culpa daqueles que estão no poder e querem definhar os serviços públicos para realizar um processo de privatização.

Privatizando, sobretudo, o bem-estar social, que é a principal função de um governo, seja nas escalas municipal, estadual ou federal. Não importa que o Amarildo estivesse só em seu protesto, pois, neste caso, o mais importante é a qualidade do protesto, e não da quantidade de pessoas que estivessem com ele.

Não estar presente com o Amarildo no protesto não significa que grande parte da população de Nanuque e do Brasil não esteja apoiando e louvando a sua coragem. O seu grito solitário não pode servir de chacota, mas de exemplo. Exemplo de cidadão consciente, espécie cada vez mais em extinção em nossa sociedade. Também é irrelevante saber o grau de formação do Amarildo, pois, o mais relevante é o alcance da sua voz, que atinge todos os níveis da sociedade nanuquense e brasileira.

A comemoração do Dia do Servidor Público no Pedra Negra é mais um equívoco, pois, ainda que seja um clube particular, é também uma referência histórico-cultural e paisagística da cidade; e certamente que sua diretoria e grande parte dos sócios não desejam a degradação do funcionário público.

O Dia do Servidor é não é para ser comemorado em lugar fechado, mesmo que fosse no clube dos servidores, mas em lugares abertos, praças públicas, sobretudo, para que a população interaja com aqueles que durante o ano estão ao seu lado.

Dentro do contexto brasileiro, sou um servidor público privilegiado, tenho título de doutor, sou professor federal, mas isso não pode me tirar a consciência de que vários colegas, como o Amarildo, ainda precisam ser respeitados nos seus direitos.

Por fim, realmente, como dizia o Chico Oliveira (um dos mais importantes sociólogos do Brasil), o Brasil é um ornitorrinco. Eu diria que além de ornitorrinco, vivemos num país esquizofrênico, onde “líderes” políticos, de origem trabalhista, pobres, permitem que em pleno século XXI vários “Amarildos” se sintam acorrentados.

Fica aqui a minha admiração pelo Amarildo! Tenho a maior honra de compartilhar seu vídeo com meus amigos do Brasil e de outras partes do mundo, exaltando através de sua manifestação o meu orgulho de ser nanuquense.

Por fim, esta carta é apenas uma singela manifestação de apoio ao Amarildo, ela nunca será mais importante que o próprio ato do Amarildo. O que o Amarildo fez foi eclodir a sua “Primavera”. Oxalá a “Primavera do Amarildo” tivesse o mesmo sentido da Primavera Árabe, do Ocuppy Wall Street, ou como as manifestações do Julho de 2013 no Brasil!



Sebastião P.G. de Cerqueira-Neto, professor no Instituto Federal da Bahia, professor no Mestrado em Ciências e Tecnologias Ambientais IFBA/UFSB, pós-doutorado na UFBA, pós-doutorado na Universidade de Coimbra-Portugal, pós-doutorado na UFRJ e, acima de tudo, um Nanuquense.



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