NANUQUENSE PUBLICOU CRÔNICAS QUINZENAIS EM UM DOS PRINCIPAIS JORNAIS DE BELO HORIZONTE DURANTE 10 ANOS
Maria Célia conta um pouco da sua trajetória e o compromisso de escrever regularmente para o jornal Hoje em Dia
“Seriam as águas do Mucuri a produzir tantos talentos?”, pergunta a escritora Maria Célia Ferrarez, 57 anos, admirada quando descobre as origens de cineastas, músicos, escritores, artistas plásticos que brilham aqui e fora do país.
Filha do finado Francisco da
Farmácia e Maria Aparecida, professora, ela conta que Nanuque e seus
habitantes, ainda que distante, são as fontes de várias histórias que adora
contar.
Com o seu pai, 'seu' Francisco da Farmácia e sua mãe Maria Aparecida no aniversário de 1 ano do filho Gabriel |
ORIGENS E LEMBRANÇAS
Ela se lembra do dia em que, de
rosto colado no vidro da Rural, atravessaram a pequena e estreita Ponte da
Gurita para nunca mais voltar. Foram horas e horas na velha Rio-Bahia até
Teófilo Otoni. De lá, entraram em uma estrada de terra, onde as versadas águas
de março castigavam e fizeram com que procurassem um atalho na esburacada e
enlameada Estrada do Boi.
"Ainda me lembro da
angústia acentuada no peito da garotinha de seis anos, ouvindo uma triste
canção italiana, parados na estrada deserta, esperando uma alma viva prestar
socorro. Fecho os olhos e escuto a voz do meu pai falando que tinha queimado a 'cebolinha' do automóvel, enquanto, para entreter as crianças, apontava uma cerca em
formato de X e pintada de cal. Ele dizia que não podíamos descer a pirambeira
para ver a cerca de perto, porque eram obras dos gigantes. Meu pai era muito
criativo. "
Aos 16 anos |
Chegar em Nanuque e se deparar
com aquele rio e pedras enormes, conta, causou-lhe um misto de pavor e
surpresa. As poucas ruas calçadas com pedras irregulares eram um suplício para
quem andava descalça, mas ao mesmo tempo lhe causava um maravilhamento e outro
tipo de dor, o som do contato das carroças na água e o ruído dos cascos dos
sofridos cavalos. Não seria fácil, aos seis anos, se adaptar àquela cidade
infinitas vezes maior do que o arraial, onde nascera e vivera, até então,
despreocupadamente.
"O som sempre foi algo muito importante
em minha vida. Costumo a brincar que é preciso ter cuidado com o que me falam,
pois estará gravado para sempre. Consigo lembrar até o timbre da voz, como se,
na minha imaginação, lesse uma partitura".
Mas não estaria na música o
seu encontro com as artes. "A música sempre foi e será a minha maior
paixão. No entanto, nunca me vi tocando nenhum instrumento, e nunca
tentei."
De alguma forma, aos 10 anos,
quando no último ano do primário, lá na Escola Jorge Schieber, a querida
professora dona Hildete Avelar Dias desconfiou que aquela garotinha meio
"avoada" e que lia sem parar,
estaria voltada para as letras. Tanto que, ainda naquele tempo, lendo uma
crônica do Mário Quintana ao lado do pai, o seu Francisco da Farmácia, ela
mesma havia declarado que sua profissão seria escrever para jornal.
Com os filhos Aaron, André e Gabriel |
De lá, até chegar ao jornal, muita
história aconteceu. Algumas fantásticas
e outras nem tanto. A gravidez precoce aos 17 anos, a morte do pai, o casamento
que não vingou, mais dois filhos, uma peregrinação por algumas cidades da Bahia
até, aos 28 anos, mudar-se para Belo Horizonte, onde já estava, agora, toda a
família.
Em 1993, trabalhando na área
administrativa de uma cooperativa de médicos, começou a "escrever"
sem rasgar. E foi lá, no corredor do Hospital das Clínicas, entre a visão das
dores dos pacientes, que ouviu de um cirurgião apaixonado por Guimarães Rosa:
"Você está escondendo seus textos! Você sabe escrever!”
“E aquilo parece ter se
tornado um mantra. Ecoava dia e noite em minha cabeça. Muitas vezes, passava a noite em claro
escrevendo até sentada no chão do banheiro para não acordar o resto da casa.”
Em 2002, mais um choque.
"Com a perda do meu irmão caçula, parecia que daquela vez eu não iria
aguentar. Mas como eu acredito que a vida sempre lhe reserva coisas boas quando
você planta, conheci várias pessoas que, de alguma forma, estavam ligadas às
artes. E numa dessas, o jornalista e poeta Alécio Cunha, já falecido, me
apresentou ao cronista Eduardo Almeida Reis. Enfim, todos diziam gostar do que
eu escrevia, embora eu mesma não levasse muito em conta."
Os filhos nascidos em Nanuque: André, Aaron e Gabriel |
Maria Célia conta que chegou
ao Jornal Hoje Em Dia, porque percebeu que vários escritores estavam alternando
na página de Cultura do escritor Roberto Drummond, que fora para o Estado de
Minas. Ela se apresentou ao editor do jornal, Roberto Mendonça, e ouviu a
promessa de que se o texto passasse pelo crivo, ele seria publicado. Dias
depois, foi o seu irmão que a avisou - o texto estava publicado no jornal!
"Acho que foi um dos dias
mais felizes da minha vida. Pegar aquele jornal no colo com o meu conto
ocupando metade de uma página foi muito para mim. Lembro-me de olhar pro céu
sentada em um banco de uma pracinha e falar para o meu pai que a promessa que
eu o fizera aos dez anos estava paga."
E não parou por ali. Um
escritor muito respeitado no país, Affonso Romano de Santanna, enviou-lhe um
e-mail querendo saber mais detalhes sobre ela.
"Falar o que sobre mim?
Aos trinta e oito anos só sabia que trabalhava numa empresa de saúde, tinha
três filhos rapazes e uma vida muito dura. Não tinha nada para dizer. Não o que
interessava para eles. Ou o que pensava ser." E nessa recebeu o convite para escrever em
uma coluna própria, dela mesma, no
jornal Hoje em dia, o que fez por dez anos. Em 2006, conheceu o atual marido
com quem se casou em 2008, Gilberto Nable, cidadão de Aiuruoca, médico
aposentado e escritor.
"Conheci o Gilberto na
extinta Livraria da Travessa, em Belo Horizonte."
Claro que o amor à literatura
os uniu.
"A poesia é minha forma de escrita favorita, embora não a
faça."
Em casa, a literatura, a filosofia, a ciência, ''os causos' e a política estão presentes o
tempo inteiro. "Gilberto e eu somos
de esquerda por convicção, razão e coração."
Maria Célia diz que não
consegue imaginar os seus dedos parados. Muitas vezes, já acorda com um texto
pronto na cabeça e da cama não sai enquanto não o finaliza.
"Não! Não é mágica! Não é
psicografia! [ri] É hábito mesmo. Quem escreve sabe que é algo compulsivo! É da
alma, sim!, mas também é preciso prestar atenção no movimento do mundo, ouvir pessoas até mesmo quando
estão mudas e não ter medo de errar. Nesta já
publiquei dois livros: o primeiro,
‘O Tempo que Invento’, em 2005, e ‘Duas Luas, Uma Guerra’, em 2010. Os dois são inúmeros textos
publicados no jornal."
Com o companheiro Gilberto Nable
Maria Célia diz que nunca
deixa de escrever, mas tem uma certa resistência em voltar a publicar o que
seria o terceiro livro.
"Já não sinto esta
necessidade. Às vezes, penso que é interessante deixar todo este material para
que os netos possam encontrar algo de si naquilo que escrevo. Sinto que, no
início, esta necessidade de escrever era uma busca necessária das raízes, não
só as minhas raízes, mas daquelas que se emaranham. Porque você nunca é somente
aquilo que pensa ser. Há muito, muito mais que a pessoa, por mais simples que
seja, desconfia que seja. Mas a forma como a sociedade se coloca ou exige, faz
com que muitos talentos fiquem ao longo do caminho. Não falo só da literatura e
das artes. O reconhecimento é muito bacana. Todo mundo espera, mas, com o
tempo, com outras grandes e preciosas esperanças, aquilo que parece um pequeno
feito é, na verdade, o seu contentamento.
O filósofo alemão Friedrich Nietzsche tem uma frase que diz ‘Torna-te o
que tu és!’. De alguma forma, a vivência está bem clara naquilo que escrevo.
Não é a única, mas esta é essencial para que eu consiga conviver com o que eu
sou. Nanuque deu muitas pinceladas nas lembranças que carrego pela vida. Só
tenho o que agradecer”, finaliza.
Olá Célia, me orgulho de ter sido seu colega de escola e vizinho. Vc merece. Um grande abraço, Anuar Lauar
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