De família humilde do bairro Vila Esperança, Livia
trabalhou pesado naquele país europeu até conseguir ingressar em uma faculdade
de Direito. Aí, as coisas começaram a mudar na sua vida
Com bagagem de conhecimentos e experiências, retorna à
sua cidade e apresenta-se como pré-candidata a vereadora
Em Portugal |
De cinco anos para cá, imigrantes de várias partes do
mundo que resolveram escolher Portugal para morar e trabalhar tiveram na figura
da advogada Livia Fernandes Amaral, uma espécie de defensora. Hoje, de volta a
Nanuque, aos 37 anos, ela relembra sua trajetória.
Tudo começa em Nanuque. Filha de Cidelícia Martins de Oliveira,
dona de casa, e Gildásio Fernandes Amaral, motorista de ônibus, Livia é a
segunda de um total de cinco filhos. “Quando criança, frequentei a Escola
Estadual União Beneficente Operária, na Vila Esperança, do pré-escolar à quarta
série do ensino fundamental. Concluídas as séries de ensino disponíveis, fui
estudar na Escola Estadual Stella Matutina, onde cursei até o 3 º ano do ensino
médio.”
ERA PRECISO TRABALHAR
“Após a conclusão da escolaridade básica, comecei a
trabalhar, pois não havendo recursos financeiros para dar continuidade ao
estudo, e sendo uma família numerosa, era importante o trabalho para ajudar nas
despesas de casa. Trabalhei em diversas áreas, sendo alguns nomeadamente
professora em escolas de informática, de forma voluntária, do bairro vila
Esperança, dentre outros, mas foi como secretária de um escritório de advogado
onde descobri a minha paixão pelo Direito.
Nesse escritório foi onde tive o primeiro contato com o
Direito e, desde então, fiquei apaixonada, seja pela estrutura processual ou
pela conjuntura do ambiente diário vivido tão intensamente. Entretanto, a vida
em uma cidade do interior não é fácil para ninguém, ainda mais vindo de uma
classe social desfavorecida, onde não há políticas de incentivo para criação de
postos de trabalho e desenvolvimento econômico e social na cidade. Surgiu,
então, como opção, emigrar para Portugal.”
SONHOS E ESPERANÇAS RUMO À TERRA DE CABRAL
Já que Cabral “descobriu” o Brasil, há mais de 1.500
anos, Livia quis “redescobrir” Portugal.
Conta: “E lá fui eu. Cheia de sonhos e de esperança, como
dizem os norte-americanos, o chamado ‘american dream’, uma variedade de ideais
de liberdade, que incluí a chance para o sucesso e prosperidade e uma maior
mobilidade social, mais conhecido, em bom brasileiro, como ‘vencer na vida’.
Era agosto de 2005, então com 19 anos, muito nova para
alguns, desacreditada por muitos, encorajada a deixar de lado esta ideia, pois não
daria certo e voltaria fracassada e decepcionada. Mas, do meu lado eu tinha um
trunfo, a vontade de vencer na vida, pois sabia quem eu era e de onde vinha e aonde
queria chegar. Mas só isto não bastava...
Para vencer na vida, sabia que a primeira coisa a se
fazer ao chegar em solo lusitano era conseguir um emprego, pois a vida corria
contra o tempo. A vida não parou quando cheguei em Portugal, era apenas o
início, e eu tinha para além da necessidade de sobreviver a responsabilidade de
pagar o empréstimo contraído pelo meu pai para me custear a viagem. Emprego não
era fácil, ainda mais para uma imigrante recém- chegada, sem documentos, em
situação ilegal."
A PRIMEIRA OPORTUNIDADE
“Sabia que não podia desistir, e após 15 dias de procura
intensa, eis que finalmente encontro um trabalho. A função obrigava ficar por
12 horas em pé, com 30 minutos para almoço e, ainda por cima, tinha que almoçar
comida gelada, pois o tempo não permitia que vários funcionários ao mesmo tempo
de almoço conseguissem esquentar em um único micro-ondas. Não era o melhor
emprego do mundo, mas era o emprego que me permitiria dar os primeiros passos
em busca da vida sonhada.
Como todo trabalho de imigrante em Portugal, a carga
horaria era exaustiva e a compensação financeira muito aquém do compatível com
a carga horária. E como forma de melhor o valor auferido no fim do mês, eu
comecei a trabalhar também aos fins de semana, renunciando a minha folga
semanal. O que para muitos hoje em dia possa ser até considerado trabalho
escravo. Mas eu sabia aonde queria chegar, e não iria ser um trabalho ruim que
iria me desmotivar.”
DEPOIS DE CINCO MESES...
“Trabalhei nessa loja por cinco meses até decidir buscar
algo melhor, passando por diversos trabalhos como lojas chinesas, lojas de
calçados e lanchonetes. Onde algumas vezes sofri as mais variadas tentativas de
abuso, quer seja abuso psicológico, entre outros. O que me levou a renunciar
vários trabalhos, toda vez que tal ocorrido acontecia. O que me afastava do meu
sonho e me desmotivava, pois se já não bastassem as dificuldades de viver em um
novo país, em uma nova cultura, com empregos exploradores, sofrendo a xenofobia
na pele, ainda tinha de aturar pessoas querendo levar vantagens na
vulnerabilidade vivida por mim e outros imigrantes.
A determinação era o meu maior trunfo, e não poderia me
deixar abalar por essas circunstâncias. Saí novamente à procura de emprego e
encontrei um que me oferecia melhores condições. E lá fui eu concorrer a vaga
com outras dez candidatas, parecia ser o emprego dos sonhos, mas só parecia.
Após concorrer à vaga e ser selecionada, descobri que o
melhor emprego até então não me daria a chance de me legalizar, o que para mim
seria algo muito ruim e prejudicial, pois teria que viver à margem da
sociedade, sem direito algum. Renunciei a vaga e encontrei um outro emprego, em
uma clínica dentária, justamente a virada em minha vida.”
UM BOM SINAL
"Nessa clínica, comecei como secretária, mas sempre tive
curiosidade e empenho para aprender dar algo a mais do que me era pedido, e
assim fui aprendendo como as coisas funcionavam. Até que um dia me apareceu uma
chance para ter a minha própria clínica em uma sociedade com uma cidadã
portuguesa. O que me proporcionou uma virada em minha vida.
Mas, como todo negócio, o início não foi fácil, pois com
um capital de investimento baixo, sem recurso para investir em publicidade,
anúncios etc., e apesar do conhecimento da minha parte na área, a minha sócia
vinha do ramo do Catering, um ramo totalmente diferente de uma clínica
odontológica, o que levou com que ela colocasse a sua parte da cota da empresa à
disposição, o que me levou a fazer um esforço ainda maior, pois eu não queria
uma sociedade com uma pessoa desconhecida, a qual eu não tinha confiança, foi
onde tive que comprar a outra parte da sociedade.”
ENFIM, EMPRESÁRIA
“Agora eu era empresária, dona do meu próprio negócio.
Para muitos, já era o ápice que um imigrante conseguiria chegar, mas eu queria
algo mais. Fui chamada a participar de uma ONG de empresárias imigrantes de
sucesso, com muito orgulho de representar o nosso Brasil.
Na clínica dentária, assumi diversas responsabilidades,
desde a publicidade porta a porta com a distribuição de panfletos, passando
pela secretaria, limpeza e arrumação, pintura e manutenção da clínica, até a
parte financeira e contábil, pois sem muito recurso financeiro tive que fazer
de tudo, até conseguir ter condições de contratar uma pessoa que pudesse me
ajudar."
O CURSO DE DIREITO
“Em 2010, com a clínica já estruturada e bem
financeiramente, contava com uma equipe de oito funcionários, o que me permitiu
ficar a tratar da parte burocrática da empresa e frequentar a faculdade de
Direito, a minha grande paixão. Agora com as coisas mais estabilizadas, pude
voltar a estudar, e estudar a área que mais amo.
Com o curso de Direito, fui aperfeiçoando habilidades que
já tinha e descobrindo outras, comecei a ser uma pessoa mais articulada, a
prestar mais atenção em meus direitos e o melhor, a saber como exigi-los e
defendê-los. Foi quando tive a oportunidade também de começar a ajudar outros
imigrantes, de forma voluntária, ajudando na defesa dos seus direitos e,
consequentemente, incentivando a perseverar na luta diária que é uma vida de
imigrante.
No ano de 2014 terminei o curso de Direito na
Universidade Autónoma de Lisboa, o que traria um novo desafio em minha vida. Pois
agora queria me dedicar por inteiro à área jurídica, foi quando decidi vender a
clínica no ano de 2015, e começar o meu próprio escritório de advocacia.”
ASSUMINDO A DEFESA DOS DIREITOS DOS IMIGRANTES
Já habilitada ao trabalho no campo do Direito, Livia não
teve dúvida quanto à área de atuação profissional. Assumiu, com vontade,
conhecimento e garra, a defesa dos direitos dos imigrantes, ajudando gente
oriunda do Brasil, de países da América do Sul e até da Ásia e África, que
optou por morar e trabalhar em Portugal.
“Investi em uma área cada vez mais crescente, que era a
área de auxílio jurídico e legalização de imigrantes. É um trabalho que me dá
muito prazer, pois a cada cliente que entra em meu escritório, a cada história
de vida contada, é como se a minha história se refizesse a cada palavra, só que
agora com um diferencial, eu posso fazer com que os problemas vividos por eles
sejam amenizados com o conhecimento adquirido por mim juntamente com a minha
formação acadêmica.
Juntos, temos a chance de reescrever uma nova história na
vida deles, já não sendo necessário uma mulher imigrante passar pelos mesmos
abusos que passei, nem uma família com crianças serem exploradas por estarem em
uma situação de vulnerabilidade financeira e social. Embora sendo imigrantes, eles
têm os seus direitos, e cabe a mim, como profissional do Direito, assegurar a
defesa dos mesmos, de forma que essas pessoas possam sentir a sua dignidade
intacta, diferente de outros imigrantes que, assim como eu, vivenciaram
situações deploráveis, e tendo de aceitar tudo calados, pelo fato de estarem
ilegais.
Em 2018, passados 13 anos em Portugal, e já sendo portuguesa
com certeza, eu e meu marido achamos que era hora de regressarmos. Eu estava
grávida da minha primeira filha, outro sonho realizado em minha vida.”
DE VOLTA AO BRASIL
“Agora, um novo desafio – readaptação à realidade do
Brasil, um país com dimensões continentais, com tantos recursos naturais, com
tanta riqueza, e ainda assim parece nadar contra a corrente mundial, um mundo
cada vez mais desenvolvido e unificado devido à globalização.”
NANUQUE
No Brasil, o destino não poderia ser outro: Nanuque.
Na opinião de Lívia, Nanuque “parece uma cidade parada no
tempo, pois tantos anos se passaram e os problemas continuam os mesmos, apenas
com alguns agravantes. Uma cidade sem incentivo de criação de postos de
trabalho e desenvolvimento econômico e social, parecendo aquela cidade de
Nanuque que deixei em 2005 quando resolvi emigrar. Mas é a minha terra, onde
nasci e cresci, tenho um sentimento muito especial por esta terra, terra de
gente boa e guerreira, que sempre se reinventa para poder vencer na vida. E é
este sangue que corre em minhas veias, que me deu garra e me fez perseverar lá
fora.”
PRÉ-CANDIDATURA A VEREADORA
Sobre o retorno à terra natal, Livia é bastante clara: “Hoje,
volto para cá com a mesma determinação, só que com outros sonhos. Venho com
sonhos de fazer algo pela minha cidade, pelo meu povo. Para que esta cidade se
desenvolva e tenha condições de proporcionar que os jovens daqui não sejam
obrigados a sair da cidade para que tenham alguma chance de prosperar na vida. Temos
que nos unir para fazer uma nova Nanuque.”
A convite do Pastor Gerson, pré-candidato a prefeito pelo
PT, e outros membros do partido e incentivada por amigos, Livia manifesta a
predisposição de concorrer a uma vaga na Câmara Municipal.
“Em breve, dentro do que a legislação eleitoral permitir,
estarei mostrando minhas ideias, um pouco do que aprendi e algumas propostas
que tenho em mente para colocar em prática na vida pública, tudo para ajudar
Nanuque, ajudar outros nanuquenses que também têm sonhos de uma vida melhor,
ou, como já disse, de ‘ser alguém na vida’. Estamos na luta!”, concluiu Livia
Fernandes Amaral.
Você fez bem correu e conseguiu seus objetivos sucesso parabéns
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