MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE EM DEZEMBRO DE 2012 POR ADEMIR JR., COM ATUALIZAÇAO NO PRIMEIRO PARÁGRAFO
Durante muitos anos, o músico e cantor Celso Oliveira Said, de 64 anos, foi uma espécie de carro-chefe dos finais de semana na Lanchonete Gurilândia, na Praça Américo Machado. Era detentor de público fiel, gente na faixa dos vinte e poucos anos até beirando a órbita dos 80, que não trocava por nada uma noitada com Celso ao violão, cantando os maiores clássicos da MPB. Depois de uns anos ausente do cenário musical, ele estará de volta à Gurilândia no próximo final de semana, sexta e sábado (26 e 27/10).
Voz poderosa, repertório de primeira qualidade, Celso destila o melhor de gente como Caetano Veloso, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, João Nogueira e Roberto Carlos, mas não nega seu lado boêmio, com Altemar Dutra, Nelson Gonçalves e tantos outros nomes da nossa música.
TUDO COMEÇA NA INFÂNCIA
foto-arquivo de 2012 |
Quando a Bossa Nova estourou, no final da década de 50, ele ainda era um menino. O convívio com a musica começou ainda na infância, com o pai. Nasceu em Alcobaça/BA, mas passou boa parte da infância em Teófilo Otoni/MG.
“Quando rapazinho, nas festas de Alcobaça nos finais de semana, a luz apagava às 10 horas da noite por causa do gerador. Meu pai pagava o óleo do motor pra festa durar até às 2 da manhã. E eu pegava um ou outro instrumento de percussão, um surdo, um pandeiro. Eu empolguei e isso veio do sangue dele. Papai tinha um banjo e eu, ainda menino, comecei a tocá-lo. Daí fui para o cavaquinho, com 8 anos. Com 12 anos, papai me deu um violão e comecei, com facilidade, apenas com orientação do meu pai, e fui ampliando. Hoje deixei todos os outros instrumentos e me aperfeiçoei no violão, que é o que eu trabalho hoje”, relembra Celso.
“Com 17 anos, fui para o Rio de Janeiro me alistar na Marinha. Cheguei ao Rio sem dinheiro achando que era só chegar e entrar na Marinha. Os oficiais me disseram pra voltar daí a 6 meses. Sai de lá cabisbaixo e fui andando. Na Rua Senador Pompeu, numa pensão, sem muito dinheiro, me hospedei. Comprei um jornal e achei uma vaga de emprego para entregador. Numa oficina de eletrodomésticos comecei a trabalhar, no Rio, entregando de bicicleta pelas ruas sem conhecer nada. Na Baía de Guanabara, aos 18 anos, me pediram pra esperar mais três meses para me alistar na Marinha e, nervoso, decidi então procurar o Exército onde me alistei no dia seguinte e servi por quase três meses”.
HORA DE “SE VIRAR”
O polêmico apresentador de TV Flávio Cavalcanti:
uma das apresentações de Celso
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Celso prossegue: “Ainda no Exército eu tocava violão nos finais de semana. De saco cheio de tudo aquilo no Exercito, decidi não engajar. O coronel me convidou pra tocar em Juiz de Fora, agora, recebendo por isso. Arranjei um trabalho na Casa Alô Brasil, de Uberlândia, como vendedor, na região de Juiz de Fora e Espírito Santo. Trabalhei lá por 12 anos e todos os finais de semana tocava em restaurantes e festas onde eu passava. Quando a loja atacadista entrou em falência, em 1978, fiz uma viagem a São Paulo com o coronel e fomos à rede Tupi, onde ele me apresentou a Flávio Cavalcante, dono do programa A Grande Chance.”
O programa de jurados avaliava os músicos que concorriam em 10 programas e o prêmio era gravar um compacto, aquele disco de vinil com duas músicas apenas, uma de cada lado. “Os jurados eram Sérgio Bittencourt, maestro Erlon Chaves, Humberto Reis, Márcia Diniz, José Messias e outros. Fiquei em São Paulo para participar e na primeira eliminatória recebi 100 de todos os jurados. Na segunda, também. Segui na competição cantando musicas como ‘Carinhoso’ e ‘As Rosas não Falam’. No final da competição, na eliminatória de numero 10, o Flavio pediu que eu cantasse a musica “Eu Preciso Aprender a Ser Só”, de Gilberto Gil. Ensaiei e tudo já estava certo. Foi quando um certo Emílio Santiago se apresentou com a musica “Eu Preciso Aprender a Só Ser”, de Marcos Valle, e ele me superou com um ponto e ganhou a gravação na Gravadora Chantecler. Pediram que eu ficasse mais um mês na cidade do Rio, mas eu não queria e voltei para Juiz de Fora."
DIFICULDADES
Celso disputou a finalíssima com o
consagrado cantor Emílio Santiago
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O relato continua: “No fim da década de 70, ganhei uma kombi e comprei um aparelho de som e comecei a trabalhar com isso. Nesse período, estourou a garimpagem pelo ouro em Serra Pelada. E me disseram para ir lá porque precisavam de tocador. Animei-me e fui para Manaus só com o violão nas costas. De lá peguei carona num avião teco-teco que levava verduras para o garimpo com muita dificuldade. Lá de cima eu via em cima das arvores os aviões que já tinham caído por ali. Me indicaram um caminho no meio da mata para encontrar o moço que queria o tocador. Logo ele me entregou uma garrafinha porque lá todo mundo tinha e ia ser meu modo de ganhar meu ouro. Cada musica que eu tocasse eles jogariam as pedrinhas de ouro na garrafa. Meu lugar de dormir era num caixote em cima da árvore já que lá tinha onça e cobra. A água era no bambu e todas as construções eram feitas em cima no alto. Bebida lá era só catuaba, jurubeba e quina, bebidas pretas e fortes.”
Chacrinha: outra apresentação de Celso
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Durante o período no garimpo, ele conta um episódio: “Dois donos do garimpo brigaram para que eu cantasse só na mesa deles, com a arma sobre a mesa. Como cantar no meio não resolvia, cantei na mesa de um deles algumas músicas de Chitãozinho e Xororó e ganhei algumas pedrinhas de ouro. Resgatei 400 cruzeiros com o ouro que eu peguei no Posto da Caixa e já fui direto para o avião com medo de morrer ali. Voltei para Juiz de Fora novamente”.
“Parceiros” de Celso no dia a dia: Anésio (Neném), Michel Hebert, Hélio, Gabriel e Chiquinho: a equipe da Gurilândia, onde Celso se apresenta nos finais de semana (foto-arquivo de 2012) |
NANUQUE
Com o amigo Chiquinho
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Antes das aventuras no garimpo, Celso esteve em Nanuque. “Na época, 1976, Matosinhos de Castro tinha um jornal e Nide e Louzi eram candidatos a prefeito e vice. Matosinhos me contratou para fazer uma música para Nide e Louzi. Fiz uma paródia sobre a musica “Máscara Negra”. Geraldo Romano era prefeito na época e estava saindo para Nide, o vencedor da disputa, entrar. Em Lajedão, nessa mesma época, fiz uma música para Deusdete e Emetério, uma paródia da música “Cho Chuá – Cada Macaco no seu galho”, de Gil e Caetano. O candidato Gilbertão de Lajedão também me chamou para fazer uma musica na campanha. Depois, fui para Vila Velha/ES tocar em restaurantes à beira-mar, onde roubaram todo meu dinheiro e o violão. Lá encontrei o Chacrinha e as Chacretes no aeroporto, inclusive a Rita Cadilac, que estavam fazendo uma apresentação em Vitória. Ele me levou para o Rio de Janeiro de novo e cantei no show de calouros do Chacrinha na Rede Globo e ganhei, mas o prêmio era uma TV pequena. Desmotivado, fui para São Paulo e me inscrevi no Programa do Bolinha, da Bandeirantes. Ganhei o show de calouros também, mas o prêmio era uma kombi cheia de mantimentos [risos]. Em 1981 fui para Teixeira de Freitas para tocar em bares, de lá fui para Porto Seguro, na época dos comícios de Antônio Carlos Magalhães e de Parracho prefeito. Toquei muito por lá. Ultimamente, estou em Nanuque, apresentando sempre na Gurilândia e em outras locais, a convite. Sou amigo pessoal do Chiquinho e tenho grande consideração por sua família. Sinto que sou querido por um público cativo e procuro dar o melhor de mim, todos os fins de semana.”
A MÚSICA ATUALMENTE
Sobre a música atual, Celso comenta: “A música em seus ritmos e melodias não modificam muito. O que mata hoje são as letras, são as reinvenções sobre estilos imortais. O samba virou arrocha, o bolero virou sertanejo. Vejo a juventude estudando para não ouvir nada. Não estou julgando, mas eles não buscam letras para que vivam a própria musica porque a melodia e o ritmo são imortais. Como cantor e violonista, mantenho o antigo e às vezes por acaso incluo músicas novas, mas os pedidos dos jovens hoje nos bares eu cantaria sem sentimento. Retiraram a música boa para dar lugar ao descartável. Na época do vinil, não se reproduzia o disco. Com o CD o disco é reproduzido e derrubaram assim os artistas de nome do sucesso, porque na verdade eles continuam vivos, são imortais. Então ficou fácil fazer musica ruim, estragar músicas boas e gravar isso. A indústria quer vender milhões de discos de um dia para o outro sem qualidade. As musicas hoje duram sexta e sábado e acabou.”
Em 45 anos de trajetória musical, ele relaciona como ícones da música nacional que reproduziu em sua carreira, como Roberto Carlos, Ângela Maria, Gal Costa, Paulinho da Viola, Alcione, Zeca Pagodinho, Roberto Ribeiro, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Toquinho, Altemar Dutra e Nelson Gonçalves.
Citou o desrespeito daqueles que ligam o som do carro ao lado dos bares onde músicos se apresentam e sobre o público dos bares e restaurantes que não dão atenção ao cantor.
Morador de Teófilo Otoni, passou em Nanuque na década de 70 e 80 e hoje passa por aqui pela terceira vez e diz que o cantor precisa rodar por outros lugares, já que todos eles contribuem com sua música. Diz ainda que Nanuque é um lugar muito bom para se cantar e que volta aqui por sentir saudade.
Conselho para os músicos novos é: “Se quer sucesso, acompanhe o atual, mas não deixe também o de ontem para trás. Busque um pouco do passado em tudo que fizer de novo.”
Como cantor, tenta se adequar ao público que o ouve. E admite: “Tenho em mente 10.257 musicas de cor na cabeça, duas composições, gravadas em fita cassete”.
E filosofa: “O coroa que canta tem que continuar a cantar. A idade ainda é pouca. O cantor deve respeitar todos os seus públicos. Se não sabe cantar a musica pedida, ofereça outra do mesmo cantor. Nunca seja melhor do que seu companheiro e ceda espaço a outros em suas apresentações. Tudo isso lhe engrandece e tenha certeza que alguém está olhando tudo isso. Se alguém mais velho é bom, deixe-o cantar. Se alguém novo é bom, incentive-o, pois ele será nosso substituto. Ajude os que não foram ainda tão bons. A música toca os homens, mas principalmente as mulheres. Por isso, cante, toque, se estiver aprendendo, aprenda mesmo, pois quanto melhor você tocar, melhor você fica."
Celso é filho de José Nascimento Said, 89 anos, e Maria Bernadete Said, 87 anos, moradores há 60 anos de Teofilo Otoni. Celso é pai de seis filhos: Solange, Fábio, Rafael, Orlando, Arlete, Silvana.
PROF. ADEMIR RODRIGUES OLIVEIRA JR.
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